O João é natural de Goiânia e faz major em biologia em Tufts University. Desde o ensino médio o João sempre se envolveu com ciência e meio ambiente, além de ter desenvolvido alguns projetos científicos, como um travesseiro feito com sacolas e copos plásticos e ter feito a descoberta de que uma semente típica do Brasil era capaz de limpar águas poluídas. Através da vontade de causar impacto através da ciência, o João decidiu que queria estudar nos Estados Unidos e ele tirou dois gap years após o ensino médio para tornar esse sonho realidade. Ele trabalhou com educação durante esse tempo, foi para a NASA, tem projetos reconhecidos por Harvard e agora eu está no segundo ano da faculdade, estudando ciências biomédicas e estagiando em uma empresa de health care em Boston.

Como surgiu a ideia de ir estudar fora e como foi torná-la realidade?

Eu descobri a possibilidade de estudar fora graças à Tabata Amaral. Eu vi ela no programa do Luciano Huck, no meu segundo ano do ensino médio, e desde então fiquei bastante obcecado com essa ideia. Eu sempre gostei muito de fazer pesquisa e participar de projetos e ali eu vi que nos Estados Unidos eu teria muito mais oportunidades de fazer isso. A partir disso, começou a saga de ir estudar fora. Eu não sabia falar inglês - tinha inglês muito básico - mas eu queria muito estudar fora. Daí o primeiro passo pra mim que tornou isso possível foi aprender inglês, porque eu tinha consciência de que se eu não aprendesse eu não conseguiria ir bem nas provas. Eu passei a respirar inglês dia e noite - por exemplo, em vez de ir para o refeitório comer no intervalo da escola, eu sentava num canto da escola e ficava estudando e assimilando várias músicas em inglês. Eventualmente eu aprendi o idioma, inclusive muito mais rápido do que eu esperava. Eu percebi isso quando a  minha escola precisava de um intérprete e, como não tinham muitas pessoas que falavam inglês na escola, eu acabei ajudando. O segundo passo para ir estudar fora foi conseguir a potencialização do meu currículo para ter experiências internacionais que me fizessem mais competitivo no processo do application. E daí o terceiro ponto foi conseguir recursos para conseguir aplicar - conseguir uma mentoria que me ajudasse a cobrir os custos do application. Isso foi muito difícil, porque eu só decidi realmente aplicar no final do meu terceiro ano. Eu já estava com aquela ideia e tentando fazer isso se tornar realidade, mas eu sabia que eu não conseguiria aplicar no terceiro ano. Eu só consegui aplicar depois de que alguns eventos bem interessantes aconteceram…

No meio do meu terceiro ano, eu liguei na EducationUSA e perguntei se eles sabiam de alguma universidade que estava vindo visitar Goiânia. Eles falaram que duas universidades viriam em setembro e eu perguntei se não havia a possibilidade de eles irem visitar a minha escola. Eu não sabia direito como as coisas funcionavam na época, então realmente perguntei com inocência sobre achando que seria algo comum de ser feito, com o intuito de integrar mais os alunos da escola. Eles toparam, a gente se organizou e em setembro recebemos essas duas universidades na escola. Foi demais, a escola toda parou, os alunos amaram. Eu aproveitei para me introduzir para as universidades também, mostrei para eles meus projetos e os laboratórios que eu usava. Na época meu interesse não era nem aplicar em si para aquelas universidades, mas sim em participar de algum summer program. Eu perguntei para eles se eles não ofereciam algum tipo de programa assim, e falaram que eles até têm esses programas, mas são pagos. E daí eles foram embora da minha escola e eu achei que tinha acabado ali. Acontece que eu recebi uma mensagem deles 1 hora depois que partiram me convidando para passar janeiro palestrando nas universidades, contando sobre os meus projetos para professores, diretores e alunos das universidades. Eu fiquei muito animado e fui, foi muito legal e lá eu descobri que daria para aplicar para aquelas universidades. Eu preenchi um formulário de aplicação e voltei para cá em fevereiro de 2017, já em gap year. Em fevereiro eles me mandaram mensagem pedindo para eu fazer o TOEFL e em março uma das universidades voltou para Goiânia. O mais legal é que eles fizeram uma cerimônia na minha escola para anunciar que eu e um amigo (que havia feito o trabalho comigo) havíamos ganhado bolsa integral para estudar lá, começando em setembro daquele mesmo ano. Meu amigo aceitou e está no junior year da universidade. Eu disse não. Meu plano era aplicar e eu não queria que eles mudassem meu plano. Eu queria muito tentar ser aprovado em uma das minhas dream colleges (spoiler: no final deu certo). Outro motivo de ter negado a oferta era que a universidade não tinha meu curso, então eu não estava tão animado para ir estudar lá. Eu apliquei, consegui mentoria e não deu certo. Foi um processo muito difícil, eu tive muitas dificuldades com as provas e só no finalzinho do ano consegui dar uma melhorada nas notas das provas.

Eu acho que meu application deu errado naquele ano porque eu insisti de forma errada nas provas. O ACT era mais barato para mim porque ele era realizado em Goiânia - diferente do SAT que eu teria que viajar para Brasília - e por isso eu insisti muito nele e as minhas notas não melhoravam. Só em dezembro eu decidi fazer o SAT, não estudei nada para fazer a prova e consegui uma nota muito melhor. A nota era aceitável, mas ainda não era uma nota boa. Parando para pensar, o grande erro do meu application do primeiro gap year foi ter concentrado os meus esforços de forma errada. Quando recebi os resultados, eu havia sido negado pelas universidades e tive que conviver com a pressão social de ter negado uma bolsa full ride em uma universidade e depois não ter sido aceito por nenhuma outra universidade. Depois disso, eu tive que fazer a decisão entre continuar insistindo nesse sonho ou começar um cursinho, e eu escolhi a primeira opção. Eu pensei que já tinha jogado tudo para o alto mesmo e achei que valia a pena continuar insistindo no meu sonho. Então eu comecei o processo de novo, dessa vez focando no SAT, muito mais experiente com as provas e isso acabou contribuindo muito para ser um application bem mais tranquilo. Só não foi mais tranquilo porque eu demorei pra começá-lo - eu tinha sido waitlisted em uma universidade e acabei esperando até julho, mês em que eles me negaram na waitlist, para começar o processo de application de novo. Então eu não tive um ano a mais, eu tive 6 meses apenas. Eu decidi aplicar Early Decision II para Tufts porque consegui a nota que queria no SAT apenas em dezembro e achei melhor aplicar early porque era uma das minha três dream colleges. Das universidades que eu apliquei, eu só soube o resultado dela - fui aprovado e deu tudo certo!

O mais engraçado nesse segundo application é que eu arranjei um emprego em uma empresa de educação internacional, em que trabalhava fazendo viagens e dando suporte para eles. Em janeiro de 2019, logo depois de aplicar para as universidades, eu fui para os Estados Unidos trabalhar para eles e acabei indo jantar, no finalzinho de janeiro, com o presidente da universidade que tinha me oferecido bolsa completa dois anos antes. Nós estávamos conversando e, no meio do jantar, ele perguntou “e aí João, quando é que você vem para cá? Sua bolsa está te esperando” e eu obviamente estremeci. Dois anos haviam passado e eles me fizeram a mesma proposta. Ele falou que eu não precisava nem voltar para o Brasil, que eu já poderia começar a faculdade no spring mesmo. Era uma oportunidade pegar ou largar - eu assinava o contrato na hora ou negava para sempre. Eu neguei. Eu disse que eu ter negado antes foi muito decisivo, e voltar a uma decisão que eu fiz dois anos atrás seria muito doloroso. Muitas pessoas talvez teriam agido diferente, e eu mesmo talvez teria agido diferente em outras circunstâncias, mas eu agi assim. Eu não estava confiante que eu iria passar em Tufts, mas eu neguei. Eu decidi arriscar e se não desse certo eu iria estudar no Brasil mesmo (que naquele momento eu já sabia que abriria também outras ótimas oportunidades para mim), mas eu não queria voltar atrás em uma decisão que havia feito dois anos antes. Eu neguei o presidente dia 28 de janeiro e no dia 6 de fevereiro eu recebi o Early Decision de Tufts: aprovado. Foi uma coisa extraordinária, porque se eu tivesse assinado o contrato meu early decision teria acabado, e pensar que por 8 dias eu poderia ter deixado de viver meu sonho. Deu tudo certo e essa foi uma experiência que foi muito especial para mim, era uma situação muito tensa em que eu estava indo contra o que todo mundo dizia para mim. Eu entendo o posicionamento das pessoas, porque querendo ou não eu estava desperdiçando uma chance muito grande, mas para conseguir outra. Essa ideia de seguir nossas intuições é muito poderosa - claro que você tem que ter uma razão, ser coerente e tomar cuidado para não fazer coisas levianas, mas no final você precisa realmente seguir o que você acha certo. Isso é muito importante para te dar maturidade, construir seu caráter e te fazer uma pessoa melhor. Quando eu passei em Tufts, assim que eu recebi a carta de bolsa deles eu já me matriculei e retirei minha application das outras universidades que eu tinha aplicado.

O que mudou de lá para cá, na faculdade?

Agora eu estou aqui em uma nova odisseia que é a faculdade. Se eu achava que o application era muito difícil, a faculdade é ainda mais. A competição na faculdade é muito intensa e você precisa estar sempre 1 ano a frente - por exemplo, agora eu já estou pensando no que eu vou fazer no summer do ano que vem, porque agora que abrem as inscrições. Outra coisa bem mais desafiadora é que você tem que estar sempre mantendo boas relações com os professores, o que é muito mais difícil do que na escola. Por exemplo, eu quero aplicar para bastante coisa em janeiro mas eu não tenho recommendation letter de professores porque eu estou online, e mesmo que você pense “ah é só manter boa relação com os professores”, na verdade não, porque na faculdade você não tem tempo para quase nada, então investir tempo nisso já é algo desafiador. Além de tudo isso, você também tem muitas escolhas para fazer, por exemplo, se você vai fazer mestrado, doutorado, se você vai para a indústria, se você vai trabalhar em outro país ou no Brasil, e como você vai manter essas relações profissionais no Brasil enquanto você estava estudando fora… Então é uma fase que a gente tem muito mais preocupações também, e mesmo que a gente já esteja em um lugar bom e em uma faculdade boa, ainda há muitas questões com as quais você precisa ter em mente.

Como foi a sua experiência aplicando duas vezes? o que você acha que mudou?

Eu acho que o que mudou mesmo foi a questão das provas. Eu tive uma melhora expressiva no resultado e acaba que isso influenciou muito no meu application. Eu também apliquei para novas universidades - eu não tinha aplicado para Tufts no meu primeiro ano. Eu descobri Tufts no finalzinho do meu primeiro application, eu pensei em aplicar para eles mas aí estava muito em cima da hora, eu estava muito cansado e decidi não aplicar. Além disso, eu tive uma evolução muito grande em termos de explorar o gap year, porque o gap é feito para você se desenvolver como pessoa e não para você aplicar. É diferente de tirar um ano para fazer cursinho, em que você se dedica 100% a entrar na faculdade. No meu primeiro ano, eu fui para NASA, participei de um programa de Harvard e já no final do ano, eu também fui contratado para ser intérprete de algumas universidades americanas aqui no Brasil. No segundo ano, eu arranjei um emprego em uma Startup americana de educação para trabalhar com projetos sociais dentro da empresa, para dar bolsa para jovens de baixa renda brasileiros para participarem do programa deles. No final do ano eu fui para os Estados Unidos para ajudar eles a desenvolverem projetos sociocientíficos para impactar o Brasil de alguma forma. Eu acho que existe toda uma relevância e um propósito no que eu estava fazendo - eu sempre me preocupei muito em ter um motivo para fazer as coisas que eu estava fazendo. Uma coisa que eu percebi é que quanto mais o tempo passava nos meus gap years, mais eu ia deixando algumas coisas de lado para focar no que realmente importava para mim, e isso foi muito importante nesse processo. Eu sei que para Tufts, por exemplo, é super valorizado você ter experiência de trabalho antes da faculdade. Acho que todas as universidades valorizam esse tipo de experiência de alguma forma, mas pesquisando alguns common data sets das universidades (algo que você pode pesquisar também!), eu descobri que Tufts super valoriza você ter esse tipo de experiência. O engraçado é que eu não sabia disso quando eu apliquei para Tufts, e descobri apenas após ser aprovado, algo que foi muito legal pois eu tive ainda mais certeza de que eu estava indo para uma universidade que era super o meu perfil. Eu acho que o segredo foi fazer coisas muito relevantes para mim que criaram um perfil bastante legal para as universidades.

Como tem sido a sua experiência em Tufts?

Tufts tem sido uma experiência muito bacana. Minha descoberta pela minha paixão acadêmica por biologia foi algo muito legal, porque eu cheguei na faculdade mais decidido a estudar a parte de meio ambiente e ecologia, mas graças ao sistema liberal arts eu descobri que eu me interesso mais por estudar a parte do organismo humano, indo para a biomedicina/bioquímica. A liberal arts é muito bom nisso porque ele permite você se encontrar de forma mais profunda. O meu primeiro ano foi muito introdutório na faculdade, para eu conhecer mais sobre o que eu quero e sobre os professores que eu quero trabalhar junto ao longo dos próximos anos. Eu planejava fazer pesquisa esse semestre, mas como estou fazendo as aulas online acabou não dando certo. Uma coisa muito legal é que eu passei a fazer parte de um programa da área cívica que vai me acompanhar ao longo dos próximos 3 anos de faculdade, que me dá a oportunidade de participar de programas cívicos da faculdade. Eu consegui meu emprego atual a partir desse programa, pago pela faculdade para trabalhar com um health care plan de Boston. O que é incrível em Tufts é a possibilidade de intersecção acadêmica que a universidade oferece: eu estou tendo a oportunidade de me aprofundar na minha área de interesse, que é biomedicina e portanto está dentro das ciências naturais, mas também de conectar esse interesse com a parte social. Eu trabalho com algo social e cívico mas ainda assim na minha área de atuação, e isso é muito interessante porque eu estou tendo a chance de entender mais sobre como eu consigo usar a ciência para melhorar a saúde pública. Isso é muito empolgante. E, pensando bem, eu acredito que o ponto forte de Tufts é justamente essa vontade de causar impacto. Eles querem que você se forme como cidadão, que entenda os problemas do mundo e queira agir para solucioná-los- tanto que Tufts é a única universidade com uma faculdade de estudos cívicos dos Estados Unidos. Isso é algo que está muito alinhado comigo. Tufts também é muito inclusiva. Existem casas ao redor da faculdade, que são como se fossem irmandades, mas para minorias. Então se você é latino, tem a casa dos latinos, e daí tem casa de african americans, de lgbtqa+, de mulheres, asiáticos, first generation students… Essas casas são abertas às minorias, então que você pode ir e passar um tempo lá. Em todas as casas tem alguém que organiza e coordena eventos super legais com o propósito de gerar união e integração entre essas minorias, garantir que eles tenham um espaço seguro na faculdade. Eu uso muito a casa latina e a casa de first generation students, para mim é um refúgio muito bom na faculdade, onde eu estou tendo a oportunidade de me aprofundar na minha identidade latina. Eu tenho um suporte muito legal e específico em Tufts por ser first generation student: existem professores que me acompanham e oferecem suporte, tem programas de pesquisa científica específicos que eu posso participar, programas de liderança e programas de subsídio e scholarships que eu posso aplicar durante a faculdade para desenvolver um projeto. Essas são oportunidades que eu só estou tendo acesso graças a Tufts ter um centro específico para isso, bem estruturado e com pessoas que trabalham para essa integração. Tufts para mim é um universo - você tem acesso a muita coisa lá dentro. Eu tenho acesso a um dos maiores pólos de biotecnologia do mundo em Boston, eu tenho acesso a essa comunidade riquíssima que a própria universidade propicia e eu tenho acesso ao museu de artes finas de Boston que fica do lado de um dos campus de Tufts. Eu estou tendo a chance de explorar muita coisa, de crescer muito como pessoa e de descobrir bastante sobre mim mesmo. Eu sei que eu estou em um lugar em que eu consigo crescer e fazer muitos planos para o futuro. Eu não sei onde eu vou estar daqui a 5 anos pois ainda tenho muita coisa para descobrir e explorar, mas eu fico tranquilo sabendo que eu vou estar saindo da faculdade com uma vivência de mundo muito rica, e possivelmente, já com algo decidido na minha cabeça, que é o que eu espero.